Foram registrados 111 casos de assassinatos do sexo feminino em 2020 no estado, segundo dados da Rede de Observatórios de Segurança
As primas Rosineide e Jenilde foram mortas pelos ex-companheiros (Foto: Reprodução)
Apesar do tempo, duas feridas ainda sangram no peito de uma família da cidade de Mundo Novo, região da Chapada Diamantina. Em menos de um mês, duas primas foram assassinadas a facadas dentro de suas casas pelos ex-companheiros. Dias após à morte brutal da doméstica Jenilde de Jesus Pinheiro, 24, parentes tiveram a mesma dor com o assassinato da lavradora Rosineide Luiz da Silva, 25. Os casos aconteceram em janeiro deste ano e dão continuidade a um dado alarmante: em 2020, a Bahia liderou em número de homicídios contra mulheres.
Segundo os dados da Rede de Observatórios de Segurança, que serão divulgados nesta quinta-feira (4), foram registrados 111 casos de assassinatos do sexo feminino na Bahia – isso não inclui os feminicídios. O número supera os dados de outros estados que fazem parte da Rede, que é uma iniciativa de instituições acadêmicas e da sociedade civil dedicada a acompanhar políticas públicas de segurança e a criminalidade em seus estados – além da Bahia, Ceará (91), Pernambuco (62), Rio de Janeiro (34) e São Paulo (dado não informado) fazem parte do levantamento.
A Rede monitorou 18 mil eventos relacionados à violência e à segurança pública divididos em 16 categorias em 2020. Foram seis mil casos a mais do que no ano anterior. Esses registros foram feitos com base no monitoramento diário de mídias dos estados em que a instituição atua. As pesquisadoras produziram dados inéditos sobre o que circula nos meios de comunicação e nas redes sociais sobre violência e segurança. Todos os dias, elas monitoram dezenas de veículos de imprensa, coletando informações, e alimentam um banco de dados que posteriormente é revisado e consolidado.
“A pesquisa é um recorte da realidade da segurança pública. Em muitos casos monitorados é difícil obter as informações completas sobre os crimes. Quando os detalhes não foram informados pela mídia, ou não foram identificados pela polícia por ocasião da sua comunicação, ou quando não há maiores informações sobre a vítima, pessoa suspeita ou motivação, catalogamos o fato como homicídio, ou seja, pode haver subnotificação de casos de feminicídio por falta de elementos para que a classificação seja feita como tal”, declarou a pesquisadora da Iniciativa Negra na Rede de Observatórios da Segurança, Luciene Santana.
De acordo com a Rede, o número de feminicídios levantados em 2020 foi de 70 – o mesmo quantitativo de setembro, último dado disponibilizado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) sobre mortes de mulheres na Bahia. “E a gente acredita que possa haver subnotificação desses casos de feminicídios. Isso porque utilizamos a metodologia própria. Isso quer dizer que há mais casos, porque eles (SSP) usam como parâmetros os boletins de ocorrências. Por exemplo, uma mulher que é encontrada morta no porta-malas de um carro é classificado como homicídio. Mas, durante uma investigação, pode ser considerado um feminicídio a depender das circunstâncias”, disse Luciene.
Mais números
No total, são 289 casos de feminicídio e violências contra a mulher no estado. Além dos 70 registros de feminicídios e os 111 de homicídios, foram encontrados 80 casos de tentativa de feminicídio/agressão física, 26 de violência sexual/estupro, e dois casos de bala perdida no estado. O Brasil registrou, ao todo, 1.823 ocorrências de feminicídio e violências contra a mulher. A Bahia ficou em terceiro lugar neste ranking e em primeiro na região Nordeste – São Pulo (731), Rio de Janeiro (318), Pernambuco (286) e Ceará (199).
O relatório da Rede diz ainda que a motivação para os crimes são as brigas, represálias e conflitos. “A grande maioria dos casos aconteceu onde, na verdade, era para a mulher estar em segurança, acolhida, o âmbito familiar. Hoje em dia, o lar não é mais seguro para a mulher, porque a violência é praticada pelos maridos, companheiros e namorados”, pontuou a pesquisadora.
O documento pontuou que o mês de maio foi o mais violento para as mulheres na Bahia. Foram registrados 11 feminicídios. “A gente não tem uma explicação específica, mas acreditamos que esteja relacionada com o início das medidas de segurança da pandemia, quando os casais passaram a conviver mais tempo em casa”, avaliou Luciene.
‘Nossa legislação prevê muitos benefícios para o réu’
O CORREIO repercutiu os dados da Rede de Observatórios de Segurança. A desembargadora Nágila Brito, presidente da Coordenadoria da Mulher do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), comentou. “A violência, na verdade é geral, basta lermos e assistirmos aos jornais, como se fôssemos, e somos, uma sociedade muito violenta”, declarou ela.
Questionada como a Justiça enxerga o problema, a desembargadora respondeu: “Com a gravidade que o caso requer e julgando o mais rapidamente que podemos. Nunca paramos, amanhã (hoje) presidirei sessão da Turma Criminal, como sempre. Tentando fazer a nossa parte, que é julgar. Há crítica quanto a algumas solturas, mas a nossa legislação prevê muitos benefícios para o réu, bem diferente de quando eu comecei minha carreira”, afirmou.
O CORREIO procurou a Secretaria de Política para as Mulheres do Estado da Bahia (SPM). “Isso não é só um problema de governo, e sim da sociedade, pois envolve uma série de fatores como a desigualdade de gêneros, a cultura do machismo que naturaliza a agressão contra a mulher”, revelou a secretária da pasta, Julieta Palmeira.
Julieta destacou várias ações de enfrentamento dos últimos anos no Brasil como a Lei Maria da Penha, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams) e a Ronda Maria da Penha da Polícia Militar.
A reportagem buscou ainda a Secretaria de Segurança Pública (SSP). Além de fonte para entrevista, foram solicitados, também, dados para comparativo com os números do levantamento. A SSP pediu para a reportagem procurar a Policia Militar (PM) e a Polícia Civil (PC).
O Departamento de Comunicação Social (DCS) da PM respondeu com a seguinte nota: “A Operação Ronda Maria da Penha da Polícia Militar atua no acompanhamento dos casos de mulheres vítimas de violência com medida protetiva de urgência, que são encaminhados pelo poder judiciário, através da Vara de Violência. A respeito dos dados estatísticos sugerimos que entre em contato com a Polícia Civil”.
Por sua vez, a assessoria de comunicação da PC disse que “não teremos fonte disponível para comentar os dados” e devolveu a responsabilidade dos dados: “sobre a estatística de 2020, deve ser solicitada à Assessoria da SSP”.
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